STML - Desde 1977 a lutar pelos trabalhadores
Entrada Comunicados Comunicados 2016 O público faz melhor! Parar as privatizações
O público faz melhor! Parar as privatizações Versão para impressão Enviar por E-mail
Terça, 05 Abril 2016 17:55

DebateA União Internacional de Sindicatos dos Serviços Públicos e Similares (UIS-SP-S), estrutura da Federação Sindical Mundial, instituiu o dia 4 de Abril como dia internacional de luta contra as privatizações sob o Lema “O público faz melhor - parar as privatizações” para afirmar a importância dos Serviços Públicos e das Funções Sociais do Estado que estão na mira do capital em todo Mundo​. No debate sobre este tema realizado no dia 4 de Abril na sede do STAL, o STML ​fez uma intervenção que agora damos nota.

 

 

 

Intervenção do STML no debate «O público faz melhor! Parar as privatizações»

 

O STML intervém desde 1977 na Câmara Municipal. A partir dos anos 1990, com a criação de Empresas Municipais, destaca-se o Acordo de Empresa alcançado em 2002 na EGEAC e, desde 2015 em conjunto com o STAL, procura-se o mesmo objetivo na Gebalis. A partir de 2014, o Sindicato começou a intervir igualmente nas Juntas de Freguesia.

Na cidade de Lisboa, tem-se revelado nos últimos anos a máxima que aponta a desresponsabilização da Câmara Municipal na prestação dos mais variados serviços públicos, materializando, também aqui, as ideias hoje predominantes que norteiam o capitalismo na sua fase neoliberal.

No essencial, PS-PSD-CDS e movimentos ditos independentes de cidadãos, sempre comprometidos contudo com o projeto neoliberal mais ou menos assumido, convergem nas intenções sustentadas por ideias que valorizam, acima de tudo, a iniciativa privada em detrimento dos serviços públicos municipais, isto é, de uma responsabilidade, gestão e execução exclusivamente pública.

Neste sentido, banalizaram-se as externalizações, concessões e as parcerias público-privadas, consubstanciando fases distintas de um mesmo processo que em suma persegue a privatização definitiva de áreas de interesse público. Se tal ainda não se verificou em setores extremamente apetecidos pela gula empreendedora que hoje se tornou moda, é porque uma força organizada, determinada e disponível para a luta tem travado e atrasado, em parte ou na totalidade, a sua concretização.

Das áreas públicas mais apetecidas, porque potenciadoras de enormes e garantidos retornos, leia-se lucros, será incontornável referir a limpeza urbana nas suas várias dimensões. Referimo-nos a um serviço público que até há pouco tempo congregava de forma integrada e beneficiando da economia de escala, de inúmeras valências tais como a varredura e lavagem de ruas e vias públicas, a deservagem ou a remoção de resíduos sólidos, entre outros trabalhos de importância menor.

Tratando-se de um serviço público essencial à saúde e bem-estar de todos aqueles que vivem, trabalham ou visitam Lisboa, é também um alvo indesmentível dos interesses privados que se movem por de trás do conhecido ‘negócio do lixo’. Neste contexto, se integra também, num plano mais abrangente, o processo de privatização da EGF.

No início deste século, iniciaram-se as tentativas faseadas de privatização de determinadas áreas da cidade, como a baixa pombalina. O PSD, liderado então por Santana Lopes, foi o impulsionador destas ‘experiências-piloto’ como na altura foram designadas. O processo correu mal para os partidos de direita que o apoiavam, tendo sido revertido pela firme resistência dos trabalhadores, mas também de comerciantes e lisboetas desagradados com a degeneração do espaço público e da limpeza que lhe deve estar associada. Aparentemente, o privado não cumpriu o seu desígnio tantas vezes anunciado de melhor e mais barato.

Este foi também um período em que floresceu a prática de externalização, nomeadamente nos trabalhos indispensáveis ao funcionamento das oficinas, responsáveis pela reparação e manutenção de toda a frota municipal. Por aqui se iniciou também, em paralelo, a degradação do direito ao trabalho, e do trabalho com direitos dos respetivos operários, muitos deles altamente qualificados.

Com a chegada do PS à liderança da autarquia em 2007, muitos julgaram ser possível um virar de página, o que não aconteceu, tendo-se inclusive aprofundado o processo contrário à defesa dos serviços públicos, dos seus trabalhadores e dos lisboetas.

Repetindo PS/António Costa os mesmos argumentos do PSD/Santana Lopes/Carmona Rodrigues, procurou implementar novas ‘experiências piloto’. A reação dos trabalhadores passou por uma forte adesão a uma greve de uma semana em inícios de Dezembro de 2008. Uma resposta fundamental na reconsideração do edil de Lisboa, obrigando-o a recuar em toda a linha nas suas intenções.

Apesar desta vitória retumbante, nos anos seguintes foi-se trilhando, de forma mais ou menos acelerada, o caminho que acertava a desconstrução deste serviço público. Uma das vias encontrada foi a criação de uma lei própria para a cidade de Lisboa que extinguiu, reordenou e criou novas juntas de freguesia, reforçadas com competências, depois recursos humanos e materiais, também patrimoniais e financeiros, numa lógica falaciosamente difundida de proximidade, de eficácia e qualidade de serviços públicos agora maximizados ao serviço dos cidadãos.

Através de um processo legislativo, secundado numa fase posterior pelas deliberações vinculativas em sede de Câmara e Assembleia Municipal, PS, PSD e CDS uniram-se para impor a maior delapidação de meios humanos e materiais de que há memória na história recente desta Câmara Municipal.

Excluídos de todo este processo num primeiro momento, foram os trabalhadores e as suas estruturas representativas, nomeadamente o STML enquanto o mais expressivo sindicato do município. Só depois de inúmeras ações de luta que revelaram as mais variadas formas de expressão - abaixo-assinados, concentrações e manifestações, denúncias públicas com comunicados à população e junto da comunicação social ou recurso à greve -, foi possível encetar um processo negocial que à partida PS/António Costa não estavam disponíveis em conceder.

Na obsessão daquele que é hoje o 1º Ministro do país, impunha-se a necessidade em esvaziar a autarquia de toda a sua capacidade operacional, sendo a limpeza urbana o principal alvo, não só porque reúne o maior número de trabalhadores operacionais, como era simultaneamente o motor da ação reivindicativa mais incisiva e consequente de todo o município. A jusante, o já referido negócio do lixo.

O processo foi aprovado e concluído em inícios de 2014, com efeitos práticos a partir de Março desse ano. Como resultado da luta desenvolvida ao longo de quase 18 meses, foi possível salvaguardar importantes direitos dos trabalhadores, coercivamente empurrados para uma nova realidade laboral agora nas Juntas de Freguesia da cidade.

Da Câmara Municipal foram desconcentradas competências que em muito ultrapassaram a limpeza urbana. Às Juntas eram agora atribuídas responsabilidades nas áreas da educação, cultura, desporto, gestão de mercados, jardins e espaço públicos, sinalização da via pública, entre outras.

As consequências para as quais alertamos vezes sem conta começaram a ser evidentes quase imediatamente. Foi indesmentível a degradação da limpeza da cidade, cujos serviços foram repartidos pelas Juntas de Freguesia e Câmara Municipal. Relembramos que as primeiras assumiram a varredura e lavagem das ruas, e a segunda manteve a remoção de resíduos sólidos.

Deste processo sintetizamos alguns dos problemas que ainda hoje se manifestam:

  1. Os meios humanos da Câmara, já insuficientes muito antes da conclusão deste projeto, ficaram diminuídos ao ponto de provocar a rutura dos serviços municipais, incapazes de proceder à recolha do lixo. Na sua origem, a diminuição de cerca de 800 operários-cantoneiros transferidos para as Juntas de Freguesia.

  2. O lixo começou a acumular-se pela cidade, principalmente nas áreas residenciais. Nas zonas históricas, de maior propensão ao turismo, a resposta da autarquia passou por sobrecarregar os trabalhadores, incorrendo em práticas demasiadas vezes inaceitáveis e não raras vezes ilegais no que à legislação e regulamentos internos sobre condições de saúde e segurança dizem respeito.

  3. Vários circuitos de remoção deixaram simplesmente de serem realizados.

  4. No universo das Juntas de Freguesia, foi igualmente evidente que os meios humanos, materiais e financeiros disponibilizados pela CML, não respondiam, e ainda não respondem de forma eficaz à complexidade das competências atribuídas.

  5. A precaridade generalizou-se nas Juntas através da contratação de recibos-verdes, sendo hoje um dos elementos que concorre indubitavelmente para a degradação do vínculo de trabalho público.

  6. Por opção política associada a uma oportuna falta de meios, concretizou-se como o STML previu e alertou, a exploração privada de áreas de interesse público, como demonstra o caso na Freguesia das Avenidas Novas, cujo executivo do PSD concessionou uma parte da limpeza da sua área geográfica.

  7. O mesmo se passa com a gestão do Mercado da Picheleira, da Junta de Freguesia do Beato (PS), também concessionado.

  8. Paralelamente assistiu-se à degradação acelerada das condições de trabalho, por incapacidade ou inércia de muitas Juntas de Freguesia em avançarem com o investimento público adequado e necessário.

  9. A nível dos direitos e rendimentos dos trabalhadores, foi e é também visível um preocupante declínio.

 

A realidade nas Juntas de Freguesia como vemos não tem sido positiva para os trabalhadores. Constatação que conflui em paralelo com a diminuição da qualidade do serviço público, porque inseparáveis uma e outra dimensão.

Como também era previsível, da transferência de competências para as Juntas, surgem consequências negativas no seio da própria Câmara Municipal. Neste cenário, o desenvolvimento de processos de luta em defesa dos direitos dos trabalhadores, mas também do serviço público municipal de qualidade ao serviço de todos, tem sido o único caminho possível para travar e inverter este estado de coisas.

Foi assim possível obrigar o executivo municipal à contratação de 150 trabalhadores (a recibos-verdes) para o serviço de remoção de resíduos, com a garantia da sua posterior integração nos mapas de pessoal, processo este que estará positivamente concluído nas próximas semanas. Todavia, mantêm-se a carência de trabalhadores, minimizada é certo, mas ainda longe de estar totalmente satisfeita.

Podemos ainda referir no encadeamento de todo este processo, porque inerente das opções politicas que o suportam, a intenção do atual executivo em criar os serviços municipalizados. Um projeto que pretende integrar o atual serviço municipal de remoção de resíduos sólidos, em conjunto com as oficinas de reparação e manutenção mecânica, sob uma mesma direção de tipo empresarial, é certo com enquadramento legislativo próprio, mas não iludindo o facto de se tratar sempre de um organismo externo à autarquia.

Depois de anos de políticas deliberadas de desinvestimento e esvaziamento, associando práticas sucessivas de externalizações, concessões ou privatizações, os serviços públicos municipais têm sido reduzidos ao mínimo possível. Daí termos apontado como o objetivo último dos partidos que se têm sucedido à frente desta autarquia, a imposição de uma “câmara mínima”, limitando-a a uma espécie de intermediária e facilitadora de negócios que no tempo e no espaço despertem o interesse do capital privado.

Assim se verifica nos espaços verdes da cidade, na sua maioria concessionados e muitas vezes abandonados pelas respetivas empresas, cabendo depois aos trabalhadores da autarquia resolver os problemas criados. Não só estamos perante uma má gestão em relação ao erário público (as empresas recebem verbas para um trabalho que não realizam), como se tem alimentado a ideia de não serem necessários jardineiros municipais porque a maior parte dos jardins estão concessionados. Existiam na autarquia há 20 anos aproximadamente mil trabalhadores com este perfil profissional (altamente especializado e qualificado). Atualmente não chegam a uma centena.

Por último, entre muitos outros casos que podíamos importar, constatamos com enorme preocupação, a privatização crescente do espaço público da cidade. Uma prática revelada pela coorganização de eventos megalómanos entre a CML e conhecidas marcas nacionais e internacionais, favorecendo obviamente as empresas detentoras dessas mesmas marcas, no objetivo de justificar a isenção do pagamento de taxas e licenças municipais, de ocupação e de publicidade, na ordem dos vários milhões de euros. Verbas que obviamente deixam de entrar nos cofres do município.

Esta opção política tem contribuído para reforçar a argumentação das dificuldades financeiras que não permitem o investimento público que constantemente reivindicamos, nomeadamente através da contratação de mais pessoal, aquisição de material e viaturas, fardamentos e equipamentos de proteção individual ou na intervenção e recuperação de edifícios melhorando as respetivas condições de trabalho e elevando consequentemente a qualidade do serviço público. Como percebemos, trata-se de uma opção que é simultaneamente causa e consequência de uma estratégia mais ampla (onde todas as situações até aqui referidas estão englobadas), porque intrínseca à matriz política e ideológica que também na cidade de Lisboa tem vindo a ser aplicada.

Mais de 2500 trabalhadores abandonaram a Câmara Municipal nos últimos três anos. Falamos de cerca de 1/3 da força de trabalho existente até há bem pouco tempo. Esta realidade tem cooperado no reforço do argumentário dos que defendem a iniciativa privada em detrimento do setor público. Referem estas mentes habilidosas que os serviços públicos municipais são incapazes de satisfazer as necessidades das populações e da própria cidade. Não admira se a montante foram sujeitos a políticas que a jusante criaram as condições que agora se vivem, ou seja, sem meios nem capacidade para responder e materializar um serviço público de qualidade.

Cabe a todos os sindicatos da Administração Pública, onde o STML se integra na realidade concreta da cidade de Lisboa, denunciar e inverter este caminho desastroso.

Será determinante neste sentido a criação de dinâmicas reivindicativas que consigam envolver primeiro os trabalhadores num processo de luta pelos seus postos de trabalho, direitos e rendimentos, aliando sempre que possível uma estratégia coordenada e eficaz de informação e sensibilização dirigida aos habitantes da cidade.

Como muitas vezes afirmamos, “o público é de todos e o privado é só de alguns”.

Obrigado.

Lisboa, 4 de Abril de 2016